domingo, 1 de junho de 2008

Drama Diário

Li no jornal uma matéria sobre esse site - www.dramadiario.com. Gostei muito. Não vou explicar como funciona, quem estiver interessado acessa o site ou lê a matéria no jornal.
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O ASSASSINATO SUICIDA de Julia Spadaccini

Laura – Mulher de 40 anos.

Analista – Mulher de 35 anos.

Laura deitada num divã.

Laura – Eu vim aqui porque estou no limite.

Analista – Sim.

Laura – No limite do limite.

Analista – Sim.

Laura – No limite da beira do abismo.

Analista – Sim.

Laura– Sim, o quê?

Analista – Sim.

Laura– Não acredito que vir aqui irá mudar alguma coisa, mas preciso de ajuda e achei melhor um psicanalista do que um delegado.

Analista – Sei.

Laura – Apesar de confiar mais num delegado do que num psicanalista.

Analista – Sei.

Laura – Sabe o quê?

Analista – Sei.

Laura – Ia me denunciar, me entregar para a polícia, mas acho que ela merece uma chance antes que eu cometa o assassinato.

Analista – Ela quem?

Laura – A vítima.

Analista – Você vai matar alguém?

Laura – Vou.

Analista – Quem?

Laura – Uma pessoa.

Analista – Que pessoa?

Laura – A pessoa mais cruel que já conheci.

Analista – Quem é essa pessoa?

Laura– A que mora dentro de mim.

Analista – Como?

Laura – Vou matar a pessoa que mora dentro de mim há 10 anos e já está fazendo casa com vista para o mar.

Analista – E quem é a pessoa que mora dentro de você?

Laura – Eu não sei, mas está cada dia mais presente. Ontem recebi a fatura do cartão de crédito e vi que ela havia gasto 350 reais numa pochete de couro. Eu nunca usei pochete. Acho pochete a coisa mais triste que existe. Toda vez que vejo alguém de pochete fico com um nó na garganta.

Analista – O seu pai usava pochete?

Laura olha para os lados, paranóica.

Laura – Ela esteve aqui?

Analista – Como?

Laura – Como você sabe sobre a pochete do meu pai?

Analista – Eu não sei.

Laura – Não acredito que ela veio aqui antes de mim. O que ela te disse? Não acredite, hein? Ela é capaz de qualquer coisa para se livrar de mim, é perigosa. Outro dia meu porteiro me viu beijando de língua o homem do 603 no elevador, pelo circuito do prédio. Imagine só! Foi ela! É claro! Eu jamais faria isso! O vizinho do 603 é o homem mais nojento do bairro. Barrigudo. Usa camisa Pólo, tenho repulsa a camisa Pólo. Quando vejo aquele jóquei em cima do cavalinho tenho ânsia.

Analista – Seu pai se vestia com camisas Pólo?

Olha para os lados.

Laura – Ela esteve aqui. Tenho certeza. Ela está te pagando tão bem quanto eu? Vai dar ouvidos aquela depravada. Eu mato. Juro que mato!

Analista – Laura, não tem ninguém morando dentro de você.

Laura – Tem sim! Está morando em mim desde o meu aniversário de 27 anos. Eu era linda, tinha um futuro brilhante, mas essa pessoa se alojou em mim e desde então as coisas não acontecem como deveriam, entende? Não há outra explicação, ela está em mim, todos os dias. Eu pensava no meu destino e ficava orgulhosa. Tapete vermelho, um marido lindo, filhos. E até agora nada. Nada. Nem um namoradinho. Ela espanta. É chata, um tédio. Deu para beber, acordo de ressaca todos os dias. Tem mania de parar na confeitaria da esquina e se empanturrar de bombas de chocolate. Estou vestindo calça número 48 por causa dela.

Analista – Laura, essa pessoa é você mesma.

Laura – Você está do lado dela?

Analista – Estou do seu lado.

Laura – Está do lado dela. Estão armando contra mim, é isso? Querem me convencer de que sou maluca e assim ela ganha espaço e acaba me tomando por inteira. Estou sentindo que tenho pouco tempo, muito pouco. Depois dos 35 anos piorou. Tenho fios de cabelos brancos espalhados pela cabeça. Eu olho no espelho e não me enxergo mais. Tudo que consigo ver é a feição dessa mulher, cheia de rugas e entradas. Imagine que meus seios que antes olhavam para o céu, alegres, agora vivem deprimidos. Não posso mais, quero voltar a ser inteira. Vou matá-la amanhã, quando acordar e ela ainda estiver dormindo. Estrangulo e pronto. Volto para mim! Volto para mim!

Analista – Vou te passar um calmante.

Laura – Está vendo! Foi ela que pediu, não foi? Você é amiga dela? Não é possível que a tenha preferido. É uma fresca! Não gosta mais de sair a noite. Usa sunquíni, imagina isso? Ninguém mais usa sunquíni! E você acha que ela tem razão? Por que não receita um remedinho para ela?

Analista – Laura, sua hora acabou.

Laura – Tá vendo... tô dizendo que minha hora chegou.

Analista – Estou falando da análise. Acabou.

Laura - Como acabou? Você vai me deixar ir embora assim? E se ela tentar me estrangular no meio da noite? E se acabar comigo de vez? Para onde eu vou?

Analista – Pensei que fosse você que queria matá-la.

Laura – Você está querendo me confundir? Quer me enlouquecer também? Ela te pagou para isso? Aquela senhora? Te pagou?

Analista se aproxima.

Laura – Não toca em mim! Não coloca a mão!

Analista - Calma Laura.

Laura – Calma? Estou te dizendo que tenho um hospedeiro dentro de mim e você pede calma? Estou dizendo que tem uma senhora gorda invadindo o meu ser e você pede calma? Estou dizendo! É a pura verdade! Pergunte para os meus amigos, para a família. Pergunta para o meu porteiro. Não sou eu! Eu estou indo embora e essa senhora vai tomar o meu lugar para sempre! É melhor avisar a população de que essas pessoas estão invadindo a gente. Quando você vê, pronto, foi embora sem conseguir se despedir. Desaparece e ninguém se lembra de como você era.

Analista olha para um lado e para o outro.

Analista – Tem certeza?

Laura – Do que?

Analista – Dessas pessoas.

Laura - Absoluta.

Analista - Podem entrar em qualquer um.

Laura - Em todos. Por que?

Analista – Porque eu sinto que tem um homem morando dentro mim desde o ano passado.

Analista tenta agarrar Laura que sai correndo desesperada.

FIM.

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